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JORNAL DA SERRA DA CANTAREIRA – COPA DO MUNDO, RODOANEL E O ATAQUE À CANTAREIRA: O JOGO COMEÇOU

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Foto: Celso Heredia / Estrada de Santa Inês (ETA Guaraú)

Antes de se iniciar a COPA-2014, o jogo pela conquista do espaço vital e pela disputa do bolo já está em campo. De um lado, o governo com seu poderoso arsenal se prepara para desventrar a Serra da Cantareira com o rodoanel-trecho norte, ‘a maior obra rodoviária do País’, vitrine do governo Alckmin, contemplada pelo PAC: obra bilionária, de mais de seis bilhões. Com seus sete túneis a 90 metros de profundidade e mais de 20 viadutos se equilibrando nos contrafortes da serra (cujo solo é mais vulnerável que o das áreas de Teresópolis), a super-rodovia promete ser uma panaceia para tudo, desde retirar o tráfego pesado das marginais, reduzir a poluição do centro urbano, até criar milhares de empregos. “A OBRA É INEVITÁVEL’, insiste o governo.

De outro lado estão os resistentes: mais de 10 000 brasileiros que perderão seus lares (se juntarmos os ´refugiados ambientais` dá para encher um estádio) e uma pequena liderança, que alguns, com desdém, sempre buscam desqualificar nominando-os como o ‘exército de Brancaleone’. Além destes, estão ainda outros, bem informados e conscientes. Mas a maioria pouco sabe, não se informa e nem se envolve…

‘Assina aqui que o trator vem atrás’

Apitado o início da partida, o governo promete iniciar as obras depois do carnaval, ou antes da Páscoa, o que dá no mesmo. Empréstimos externos obtidos, licitação executada, empresas contratadas, inclusive astros da Espanha, os tratores batem às portas. E já começa o plano de remoção forçada dos milhares de residentes, na sua maioria sem titulação legal de seus imóveis. E aí vem a Operação Arrastão – ´assina aqui que o trator já vem atrás, derrubando tudo e, se não estiver de acordo, vá discutir na justiça, mesmo porque seu vizinho já concordou`. Isto é terror de estado desrespeitando os direitos humanos – alertam os resistentes.

O jogo se radicaliza, não adianta ponderar. Vejam: o ex-governador Serra, um tecnocrata, reconhecia a fragilidade serrana da Cantareira e dizia textualmente “Ao invés do rodoanel, vamos pensar na rodoferradura”. Porque não? Mas bastou sair do gramado e seu conselho foi embora com ele.

Cantareira não é a bola da vez

E neste momento entra em campo o carrossel holandês fazendo tremer os alicerces do Itaquerão – COPA DO MUNDO SIM, MAS A CANTAREIRA NÃO É A BOLA DA VEZ. Começam por desconstruir as falácias que o governo divulga para vender o rodoanel: vai desafogar as marginais. Falso! Cinco especialistas em tráfego e logística desmentem essa afirmativa. Menos poluição na cidade. Falácia! Na realidade, essa poluição será exportada para áreas de pureza ambiental.

Alertam os ambientalistas que, a despeito de se afirmar que os danos da obra foram minimizados, a realidade será esta: destruição de mais de 200 nascentes, destruição de áreas verdes correspondentes a dois Parques Ibirapuera, destruição dos mecanismos naturais que impedem o avanço das ilhas de calor, brutal movimento de terra que entupirá o Tietê, mais impermeabilização do solo, potencializando as enchentes catastróficas na cidade, impactos na Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de SP, distúrbios nos 11 Parques Municipais da Borda da Cantareira, dano à saúde publica, violação do Plano Diretor da Cidade e violação das normas de empréstimos do BID. Realmente, uma imagem negativa para o Brasil no início da Copa – que ironia – cujos símbolos serão o tatu-bola, o mico leão dourado e o muriqui, animais em extinção. Ação marqueteira despudorada. Pura hipocrisia dizer que o Brasil protege a natureza quando debaixo de nossos olhos ela é destruída na cara dura. A turma do Itamaraty está preocupada com tal contradição, e a UNESCO observa no banco dos reservas.

Cartões vermelhos

Retórica à parte, o que esses românticos ambientalistas colocam concretamente para a arbitragem? Existem ao menos cinco cartões vermelhos na marca do pênalti.

-Ação Civil Publica – A.I. 20 503-35.2012.8.26.000, onde o Procurador de Justiça Daniel Fink é fulminante: o rodoanel viola o Plano Diretor da Cidade. Manda cassar todas as Licenças da obra imediatamente e comenta que obras como essa levam a cidade de São Paulo ao caos.

-O Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, José Américo, um dos pais do Plano Diretor de 2002, não deixa margem à dúvida: esta obra viola as legislações local, nacional e internacional, e principalmente o Plano Diretor. Uma forma de tornar o processo democrático é colocar o rodoanel em discussão no bojo do novo plano diretor que começa a ser discutido agora.

-Várias ONGs nacionais e internacionais lideradas por PROAM, (está entre as mais antigas do País e foi recentemente eleita em primeiro lugar para o CONAMA), conseguiram do BID-MICI (Mecanismo Independente de Consulta e Investigação) elegibilidade para receber um Painel de Investigação (BR –MICI003-2011.MARIO COVAS RODOANEL NORTHERN SECTION MEMORANDUM OF ELIGIBILITY FOR THE COMPLIANCE REVIEW PHASE-Dec. 23, 2011) que deve visitar o Brasil em maio-junho de 2013. Mais de 30 documentos foram encaminhados a Washington, e o Painel de Investigação já admite que várias denúncias procedem. Tudo o que os resistentes exigem é uma investigação externa, independente, imparcial, transparente. O governo grita que esta elegibilidade não existe. É puro jus sperneandi …

-Recentemente, acadêmicas de Berkeley, School of Law- SEEJ (Students for Economic and Environmental Justice) visitaram o Brasil a convite de PROAM, fizeram análises de campo e de gabinete, comprovaram o teor das denuncias da comunidade e fizeram uma representação ao Congresso Americano, pedindo o embargo imediato das verbas do BID para o rodoanel, acompanhada de carta a mais de 20 Senadores Americanos. É sabido que o Tesouro Americano é o maior supridor de recursos ao BID e busca evitar remessa de dinheiro ao exterior para violar os direitos humanos e a natureza. Há mais de 20 anos, quando o Vale do Tremembé e a Cantareira foram ameaçados por uma rodovia, o Senado Americano exigiu do BID investigação rigorosa, e os recursos foram anulados.

-Moção do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica à Ministra de Meio Ambiente, solicitando revisão da obra pelos impactos negativos causados.

Folclore

Em jogo que se preza não podem faltar o folclore, as conversas de bastidores, as fofocas de vestiário, nem galo preto na encruzilhada. Aqui também tem isto. Já houve um espetáculo antropofágico no Teatro Oficina, onde artistas, intelectuais e muitos outros setores da sociedade repudiaram a obra. O curupira, o jurupará e o saci foram invocados para proteger o solo sagrado da Cantareira.

IBAMA de SP: comportamento esdrúxulo

Na concessão da Licença prévia da obra, a Superintendência do IBAMA em SP afirmou que ´não havia tido tempo para analisar tão complexa matéria` (sic) . Mesmo assim o processo obteve licença!!! Sabedora do caso, a ministra do meio ambiente ficou furibunda e esbravejou: ´vocês me conhecem, pão pão, queijo queijo, no embromation`. Ato continuo, chamou seu funcionário e exigiu maior rigor na análise do jogo.

Abdução? O Parecer emitido pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente foi firmado por mais de seis técnicos do mais alto nível dessa Pasta, que encontraram mais de 60 inconsistências técnicas e ilicitudes no estudo oficial e o taxaram de ‘medíocre’ (Parecer N.104/DECONT- 02/2011).

Apontam que no campo da várzea da fazenda Santa Maria existem mais de 200 macacos (nenhuma alusão aos jogadores brasileiros discriminados no exterior) que ficariam desabrigados… Depois dos sem-terra, dos sem-teto, agora teremos os sem-árvore. Por que não escolher esses bichos como símbolo da Copa? Hoje tal Parecer vem à luz, produzindo arrepios na torcida.

Bilhões e bilhões: que você também paga

As novas arenas da COPA-2014 foram estimadas originalmente em cerca de 2 bilhões, e hoje o orçamento anda pela casa dos 7 bilhões (OESP- 03/03/13). Com o rodoanel acontece o mesmo, e o senhor Pagot- ex DENIT afirmou, em revista de grande circulação, que nos trechos já construídos do rodoanel havia improbidade administrativa. Os ambientalistas denunciaram esses fatos graves à Presidência da República, que os acolheu e encaminhou a CGU, pedindo investigação (Ofício N.2018/2012-GP/GAB/GESTÃO/AGI).Chamado a depor no Parlamento, Pagot desconversou – tudo não passava de ´conversa de botequim`. Na realidade, Pagot não quis pagar o pato sozinho e passou de pato a ganso, para ficar no jargão futebolístico. Os ambientalistas exigem transparência nas contas e afirmam que, se no preço das obras do rodoanel forem acrescidos os passivos socioambientais e os serviços da natureza (água, ar, amenização climática, saúde, etc.) o custo total da rodovia se aproximará dos 50 bilhões. Afirmam que deve haver ética e controle social…”Esses ecologistas continuam uns eternos ingênuos. Acreditam no coelhinho da Páscoa”, diz a torcida.

Herança da ditadura

Historicamente, os governos militares sempre jogavam essas mega-estruturas em áreas de pureza ambiental. Tudo para diminuir os custos de desapropriação, claro. Assim começaram a construir o aeroporto internacional de São Paulo, em cima da Reserva de Caucaia- Morro Grande, hoje, coração da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de SP. A sociedade indignada se mobilizou e, liderada por pessoas que corajosamente combatiam a ditadura, obrigou o governo a retroceder. O cardeal Arns (um papável, na época) rezou missa campal no local, e o aeroporto voou para outras bandas.

No fim da década de 1980, o governo municipal planejou uma rodovia que cortaria o Horto Florestal e vários bairros da zona norte da cidade. O paredão sul da Cantareira seria escancarado à especulação imobiliária, o desmatamento iria campear e milhares de pessoas da vizinhança seriam jogadas na rua. Tudo com dinheiro do exterior, do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). A sociedade se mobilizou, exigiu uma perícia externa do banco. Vieram seis peritos desde Washington e, constatando a procedência das denúncias, mandaram cancelar o empréstimo. Este caso se torna referência internacional, e a líder do movimento, Vera Lucia, relata esta história de êxito no exterior.

Na sequência, o governo do estado lança a VPM- via perimetral metropolitana, DNA do atual rodoanel. Novamente a sociedade se mobiliza sob o comando de Vera Lucia, Cardeal Arns, prof. Aziz Ab’Sáber, prof. Paulo Nogueira Neto, jornalista Randau Marques e jurista Ascanio Castilho. São coletadas 150.000 assinaturas e, avançando para além da defesa, conseguem transformar a região ameaçada em Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de SP, um patrimônio planetário, ao abrigo da UNESCO. O Banco Mundial, que deveria financiar a obra, nega o empréstimo, e a iniciativa perde momentum histórico.

Fonte: http://www.jornaldaserra.com.br/#
Fundado em Agosto de 1991
Diretores: Celso Heredia e Isabel Raposo, Jornalista responsável
MTb 19268